Editorial

Reforço ao preconceito

Tão prejudicada pelo flagrante de uso de mão de obra em regime análogo à escravidão na colheita da safra de uva, Caxias do Sul viu ontem seus principais representantes ampliarem ainda mais o desgaste com o qual a cidade já lida desde então. Autor de insultos carregados de xenofobia, o vereador Sandro Fantinel (ex-Patriota, expulso do partido), livrou-se da cassação graças ao apoio recebido de nove colegas que, ao rejeitarem o pedido de afastamento do político, deram forte sinal verde a este tipo de postura preconceituosa.

Recordando: no dia 28 de fevereiro, em meio à repercussão da operação do Ministério Público do Trabalho que resgatou mais de 200 trabalhadores - a maioria baianos - de alojamentos precários, onde ficou constatado que, além de serem submetidos a condições inadequadas de atuação na colheita, também sofriam com abusos e violências, Fantinel decidiu usar a tribuna da Câmara para um discurso indignado. Não pela situação inaceitável daquelas tantas pessoas resgatadas ou pela exploração a que estavam sujeitas diante da ganância de empresários que estabeleciam contratos de terceirização dos serviços para as vinícolas. Ao invés disso, o parlamentar decidiu atacar os trabalhadores. E foi adiante, ofendendo toda a população da Bahia ao despejar uma série de absurdos contra "aquela gente lá de cima" cuja única cultura, segundo ele, seria "viver na praia tocando tambor".

Pois mesmo diante de claro pronunciamento xenofóbico e discriminatório, feito publicamente no Parlamento, com transmissão ao vivo, contra o qual não cabe qualquer outro tipo de interpretação além daquela que se enquadra no crime paralelo ao de racismo previsto na Lei 9.459/97, segundo interpretação já definida pela Justiça, o Legislativo caxiense passou a mão sobre a cabeça de Fantinel. Ao usarem de argumentos como "ele pediu desculpas" ou "quem nunca errou?", os nove vereadores indicam à sociedade que vale tudo. Que atacar cidadãos por sua origem ou cultura, por exemplo, é permitido desde que, frente à repercussão negativa, haja choro e alguma demonstração de arrependimento diante das câmeras.

O episódio de Fantinel, aliás, é apenas mais um em que se usa de desonestidade intelectual para vincular discursos de ódio a uma pretensa liberdade de expressão. Especialmente quando se tratam de políticos, que fazem questão de criar confusão quanto às imunidades parlamentares, como se isso lhes desse o direito de dizer qualquer coisa, mesmo incitação a crimes e preconceitos, como se isso fosse normal e aceitável.

O vereador caxiense permanece como réu na Justiça do Estado, após denúncia do Ministério Público pelo crime de racismo, o que pode vir a lhe render pena de prisão e perda do mandato. No entanto, o Parlamento de Caxias _ através destes nove votantes pró Fantinel _ deu péssimo exemplo de reforço ao preconceito.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Descumprir regras eleitorais compensa

Próximo

Uma decisão judiciária paradoxal: a moralidade em xeque

Deixe seu comentário