Eduardo Ritter

Seres humanos: para cada unidade econômica, uma unidade literária

Eduardo Ritter
Professor do Centro de Letras e Comunicação da UFPel
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"Cada ser humano é uma unidade econômica." A frase dita pelo personagem Logan Roy, na série Succesion, que está chegando ao final da sua última temporada, é uma visão de mundo interessante. Na ficção seriada, Logan Roy é um multimilionário dono de um império midiático nos Estados Unidos. Tal conclusão, de que cada sujeito é uma mini unidade econômica ambulante (mais ou menos como o seu Siriguejo do Bob Esponja enxerga os seus clientes como notas de dólares com braços e pernas), representa uma visão de mundo de milhares de pessoas ao redor do globo.

Eu não discordo totalmente dessa visão, mas gosto de ver cada ser humano como um livro em potencial. Toda a história de todo o ser humano rende um - ou mais - livro. Digo isso, primeiro, porque acabei de escrever uma espécie de romance biográfico sobre um personagem incrível e, segundo, porque a vida de qualquer pessoa, desde um bebê de dias até a de um idoso chegando à casa dos cem anos, tem tudo o que uma boa narrativa precisa: sentimentos, emoções, surpresas, tristezas, alegrias, risos, lágrimas, relações, isolamentos, dilemas e tudo o que interessa aos outros seres humanos, espécie que tem como um de seus principais instintos a curiosidade pela vida alheia.

Erico Verissimo, por exemplo, dizia que gostava de prestar atenção nas pessoas "curiosas", "engraçadas" ou de "personalidade forte", pois essas rendiam inspiração para a criação de bons personagens. Assim, ele gostava de conversar com o bêbado do boteco, com o engraxate da rua, com o rico esnobe, com a perua metida a besta, com o malandro vigarista e assim por diante. Essas pessoas poderiam despertar asco em muitos, mas rendiam boas histórias para que Erico usasse em seus romances. Também concordo com o ilustre escritor, do qual também sou uma espécie de biógrafo e fã n°1, mas acredito que até mesmo aquela pessoa que a uma primeira vista parece ser a mais sem graça, a menos interessante ou a mais tímida do universo traz no seu interior as mais atraentes histórias. E cavar fundo nessas histórias acaba sendo uma função do jornalismo, profissão também exercida por Erico Verissimo.

Apesar de muita gente imaginar em um primeiro momento que a visão de mundo de Logan Roy, a minha e a de Erico Verissimo sejam antagonistas ou até mesmo excludentes, eu discordo. Depois de estudar um pouco sobre finanças e seguir mergulhado no mundo da literatura, penso que as pessoas são tanto unidades literárias quanto econômicas. Uma prova sobre como é possível unir as duas coisas é a série lançada na Netflix chamada Como ficar rico, do guru das finanças americano Ramit Sethi. A cada episódio são apresentadas pessoas de todas as classes sociais que vivem o caos financeiro devido ao seu analfabetismo econômico. O curioso é que a partir do extrato bancário de cada pessoa (ou casal), Ramit já tem um perfil psicológico do personagem, pois a maneira como cada um gasta o seu dinheiro pode explicar muita coisa sobre a sua personalidade (e vice-versa). Claro, é uma série "estilo de vida" que não tem nenhuma profundidade literária e que aborda conceitos básicos sobre finanças, mas que servem como exemplo para unir a visão de Logan Roy e Erico Verissimo, afinal, são histórias de personagens que são apresentados ao mesmo tempo como unidades econômicas e literárias, com seus próprios dilemas pessoais e financeiros.

E você, caro leitor, tem alguma visão alternativa para além da econômica e da literária para ajudar a compreender essas unidades ambulantes de carne e osso que andam para lá e para cá?

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