Samuel Chapper
Sobre o susto do "mercado"
Por Samuel Chapper
Advogado
No Diário Popular de 9 de fevereiro, deparei-me com artigo de colega especialista em Direito do Trabalho que, assumindo condição de porta-voz do "mercado", manifestou acerca do susto pela fala do novo presidente do Tribunal Superior do Trabalho, ministro Lélio Bentes Correa. Não há razão para tanto.
O texto parece-me manifestação ideológica de quem claramente entende que o catálogo de direitos dos trabalhadores atrapalha interesses capitalistas. As milhares de ações de despejo e reintegração de posse nunca geraram preocupação para o mercado, tampouco as buscas e apreensões pelo inadimplemento de financiamentos e muito menos os empréstimos consignados aos aposentados. Entretanto, quando se trata de direitos dos trabalhadores, o "mercado" se "assusta", como dito pelo articulista.
De qualquer modo, buscando confortar o mercado, esclareço que a regularização dos trabalhadores de aplicativos não é exclusividade do ministro Bentes Correa. Em 11 de outubro de 2022, o Departamento de Trabalho do governo dos Estados Unidos propôs o debate para motoristas de aplicativos. O projeto prevê que trabalhadores da Uber passem a gozar de benefícios como assistência médica e horas extras, resultado da reflexão de inúmeros juristas norte-americanos.
Na Alemanha, há muito tempo trabalhadores da Uber são reconhecidos como empregados com os mesmos direitos dos demais. Decisões da Suprema Corte do Reino Unido adotaram conceito de parassubordinação, fixando salário mínimo e férias. Na Holanda, o Judiciário confirmou que os trabalhadores da empresa Deliveroo são empregados. Consta da decisão que os entregadores "não são apresentados socialmente como empresários". Com efeito, não me recordo de ter encontrado entregadores do IFood ou da Uber na Fiergs ou Federasul. Nesses países não se teve notícias de "fuga em massa das empresas deste setor", como profetiza o colega.
Importante mencionar, ainda, as considerações de Bentes Correa de que a "Justiça do Trabalho é a que mais concilia em todo o País". O redator alega que o "ministro não aparenta levar em consideração o pano de fundo que envolve processos trabalhistas" (sic). Em 8 de fevereiro, o TRT da 4ª Região trouxe dados da Justiça do Trabalho gaúcha em 2022. Destaco alguns: foram julgados 110.472 processos na fase de conhecimento, onde 34% tiveram procedência parcial (autor ganhou um ou mais pedidos), 13% foram julgados improcedentes e apenas 6% foram integralmente procedentes. Já 42% foram conciliados. Entre os pedidos mais frequentes está o pagamento de verbas rescisórias, que são as decorrentes da ruptura do contrato, mas não pagas pelo empregador, injustificadamente. Tal falta de pagamento é que deveria assustar, pois esses trabalhadores, já desempregados, ficam sem condições de subsistência.
Em que pese o TRT da 4ª Região seja dos mais céleres do País, o tempo médio de julgamento é de um ano e dois meses, o que aumenta o percentual de conciliações, pois a fome não espera.
Portanto, a falta de cumprimento de obrigações trabalhistas básicas é que deve assustar o mercado, pois os reflexos do desemprego são por demais conhecidos. A propósito, o mercado que aplaudiu a famigerada "reforma trabalhista" de 2017, hoje lamenta, pois nenhuma das promessas - a saber - foi cumprida: modernização da CLT, segurança jurídica e fim do desemprego.
É de se rechaçar a expressão do articulista quando se refere a "aventuras jurídicas". Certamente não se refere a colegas como aventureiros, o que implicaria em infração ética merecedora da atenção da OAB. E quanto ao conteúdo, há remédios jurídicos para coibir lides temerárias. Por fim, quando menciona que "o empregado não tem nada a perder", revela profundo desconhecimento de quem nunca trabalhou na defesa dos trabalhadores. A busca pelo Judiciário para reivindicar direitos inadimplidos tem custo alto na vida dos desempregados e suas famílias.
O "mercado" não deve assustar-se com as palavras de Bentes Correa, mas com a taxa de desemprego. Essa, sim, assustadora.
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