Sergio Cruz Lima
Uma águia pousa em Haia
Sergio Cruz Lima
Presidente da Bibliotheca Pública Pelotense
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Rui Barbosa detestava que aludissem à sua pequena estatura. Sobre o fato, conta P. Xisto em As mil e uma anedotas. Notável no Congresso de Haia, Rui nunca fez política norte-americana porque o representante dos Estados Unidos, um espírito bonachão e alegre, disse uma vez, vendo entrar no salão o grande brasileiro ao lado do diplomata Gonçalves Pereira: "Estou espantado como o Brasil, sendo um país tão grande, exporta representantes tão pequenos!". É escusado dizer que o norte-americano se referia ao talhe pequenino dos dois brasileiros, porém a frase chocou Rui Barbosa, que se vingou não formando jamais ao lado dos norte-americanos em questão alguma.
Sobre o menino Rui, conta Chiquinha Neves Lobo, em Glórias brasileiras: Quando estudante, certa ocasião, em plena aula, Rui traduzia um trecho em latim. Na sala reinava um silêncio sepulcral. Era seu professor da matéria, o padre Turíbio Fiúza, um sacerdote respeitado, voz eloquente no púlpito baiano. Atento, Fiúza acompanhava as respostas do aluno. De repente observou: "Errado, caro Rui". O menino parou, cheio de espanto, encarou o mestre e disse: "O que eu disse está certo!". Ia argumentar, mas o padre interrompeu-o, insistindo com claro mau humor: "Errado e corrija", disse. Rui zangou-se e, num gesto indelicado, jogou o livro no chão! O padre censurou-o pelo gesto descortês e indisciplinado. Depois da aula, o diretor do colégio mandou chamar o menino e disse-lhe: "Como foi isso, meu filho? Você, o modelo dos estudantes?". Rui explicou-lhe e, abrindo o livro, indicou o trecho controvertido informando-o da sua tradução, e referiu-se ao que o professor havia corrigido. Também latinista, o diretor percebeu que Rui estava certo. Mas, para manter a disciplina da casa, desviou a conversa. "Meu filho, Padre Fiúza sabe latim como Cícero. Vá pedir-lhe desculpas." "Está bem", disse Rui. "É possível, mas só me desculparei se ele me confessar o erro." O diretor não pediu ao professor uma retratação e avisou ao aluno que ele ficaria de pé, em frente à parede, na hora da merenda, caso não desse satisfação ao mestre. Firme, Rui disse que estimava mais o castigo e submeteu-se, sustentando que o padre errara. A partir daí, a punição passou a ser uma espécie de prêmio. Sempre que outro aluno tinha de cumpri-la, dizia para os demais: "Que importa! Rui também já recebeu a mesma pena!".
Dotado de invejável cultura, Rui Barbosa lia tudo. Era um espírito faminto de leituras. Passava pelos olhos todos os jornais cariocas, quase todas as revistas e não dispensava à cabeceira, para conciliar o sono, um romance policial. Certa vez, em conversa com Constâncio Alves, citou o grande publicista um conto infantil, que lhe despertara interesse. "Onde Vossa Excelência o leu?", indagou Constâncio. Rui respondeu: "Não sei; creio ter sido no Tico-Tico".
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