Gustavo Jaccottet
Uma crônica sobre o argentinismo
Por Gustavo Jaccottet
Advogado
[email protected]
A idolatria pelo futebol é abstrusa. O espaço dado ao argentinismo pode representá-la, como há o guardiolismo e centenas de escolas que prosperaram. A união de dois modelos talvez tenha sido receita que deu a Scaloni o mapa para chegar à final da Copa do Mundo. Adoraria ter um argumento exato, mas o futebol é avesso a hexágonos. Em Apresentava os componentes em harmonia, como Rinus Michel perpetrara com a Holanda de 74. Não tinha um Pelé ou um Beckenbauer, senão um tal de Cruyff. Mas qual o motivo de falar de um holandês para ao final concluir com um argumento em favor do sucesso da Argentina. Veremos, pois esse cara que jogava de laranja, além de fora da curva, era inteligente a ponto de deixar sucessores.
Pep Guardiola, digamos, era o aluno mais atento das aulas do mestre Cruyff e viu em Messi um craque capaz de armar, de finalizar e de marcar. De bons hábitos, diferente do holandês, fumante declarado e pouco disciplinado fora de campo. Sabia, igualmente, que ele iria bem além do seu modelo de Barcelona, que envelheceria, como é caro a todos nós, mortais, todavia Lionel não o acompanhou ao Bayern de Munique. O legado de Pep em como ver Messi só foi reparado por Scaloni. Vai além do jogador, como um garimpeiro, cuja gema era encontrar o espaço entre linhas ou até mesmo como triangular para finalizar sem que a defesa percebesse os movimentos de todos os envolvidos. Os gols da Argentina exemplificam o que escrevi e o jogo entre eles e a Holanda demonstra que estes vazios existem, contudo requerem quem os ache.
O futebol, ou o jogo, chamem como quiserem, pode ser romantizado (deixemos as proezas táticas agora de lado, foquemos no irracional) por Eduardo Sacheri. Cito: "y su humor lúgubre se lo debía, ni más ni menos, a una nueva derrota del Racing Club de Avellaneda. O sea que había estado a punto jorobarle a una pobre mujer por el fútbol. El dichoso, el maldito, el eterno asunto del fútbol". Mais uma pista do argentinismo está nessas palavras. Coloco-me em lugar dos argentinos. Em verdade os invejo. Estou com uma cobiça que é cara aos que me compreendem. Queria a sexta estrela. Esperar até o próximo 12/07/2026 é muito tempo.
No Catar exauriram-se as possibilidades. A despedida de Modric, o apagar das luzes para um arquétipo de jogo sensabor custou ao apaixonado um Brasil apático. O escrete sucumbiu ao cerebral. A estiagem para o cultivo de craques nos custou mais uma Copa, por isso Mbappé não virou o jogo contra a Argentina. Acima da média? Sim. Craque? Tenho dúvidas. Modric com as suas passadas elegantes chutaria no canto esquerdo de Martinez e eis terceiro gol; Zidane pifaria no meio de campo e segundos depois já estaria à meia-lua, pronto para finalizar. Lembrem que só camisas 10 realizam as proezas de um Ronaldinho e um Rivaldo, tivemos o problema de ter ambos jogando juntos (Brasil e Inglaterra em 2002). Numa jogada individual clareou espaço para que Rivaldo empatasse o jogo. No segundo tempo fez um gol de falta ainda inexplicável. Se é raro haver um só camisa 10, pense o leitor mais novo que o Brasil tinha que decidir para quem entregaria a camisa com o número de Pelé, Maradona e Lionel. Ronaldinho era o 11 e Rivaldo era o 10 e quando dera lugar a Kaká, o "volante" jogava com a 8.
A história poderia ser reescrita por Kylian. Um camisa 10 mataria o jogo em minutos. As linhas da Argentina estavam perdidas. Bastava uma só jogada e a taça iria para Paris. Fatuidades não vencem jogos. Craques sim. Ficou a cargo da bola escolher. Olhem Neymar. A bola ainda o sente distante. Prende-a quando compartilhar seria a decisão correta; abre avenidas, todavia olvida de pavimentá-las. Cruyff criava espaços e punha seus colegas à cara do gol. Quantos gols perdemos pela soberba? Quantas ruas não ladrilhadas ficaram presas numa disputa de bola desnecessária? Lionel provou que tudo isso é simples com um pouco de argentinismo. Bastou conquistar a bola.
Carregando matéria
Conteúdo exclusivo!
Somente assinantes podem visualizar este conteúdo
clique aqui para verificar os planos disponíveis
Já sou assinante
Deixe seu comentário