Adolfo Fetter Jr.

Uma democracia "volátil" e ainda em construção

Muito se discute se vivemos ou não em uma democracia no Brasil e não é raro ler mensagens e discussões sobre isso nas redes sociais. Entre os tópicos "quentes" a respeito estão a atuação agigantada do STF, invadindo competências ora do Legislativo, ora do Executivo, e se imiscuindo em matérias que não seriam de sua competência constitucional.
Variados questionamentos também abordam a atuação do Congresso e dos Partidos nele representados. Para muitos causa perplexidade as alianças momentâneas e votações polêmicas (muitas vezes contraditórias) das legendas, em relação ao ocorrido no passado recente e ao discurso utilizado nas eleições.

Para tentar ajudar a descomplicar a compreensão desta realidade, inicialmente é preciso compreender que estes fenômenos não estão acontecendo apenas no Brasil, mas em quase todo o mundo ocidental, como nos comprova a mídia, com destaque para aos enfrentamentos políticos e ideológicos nos Estados Unidos e na Europa, berços da construção da democracia representativa que nos servem de inspiração.

Aí, aliás, se pode começar a entender alguns dos dilemas da "volátil" democracia brasileira, cuja Constituição atual (de 1988) manteve o sistema presidencialista (que já vigia desde a proclamação da República em 1889, influenciado pela experiência norte-americana), mas adotou vários mecanismos dos sistemas parlamentaristas (predominantes na Europa). Em relação a isso, já fica claro que os constituintes tentaram criar um "meio termo" entre os dois modelos, bem ao gosto do típico "jeitinho brasileiro" de, na dúvida, buscar "acomodar" as coisas.
Isso também se refletiu nas questões dos fundamentos econômicos, onde se assegura a livre economia capitalista, desde que cumpra a sua "função social", bem como em relação às próprias liberdades civis (direitos de associação, de expressão e de manifestação), mas permitindo que a Justiça possa relativizar estes conceitos.

As consequências óbvias deste "relativismo constitucional" é que elegemos os presidentes da República (e os titulares dos estados e municípios) com base no presidencialismo e o Congresso com base no parlamentarismo. Na prática, nenhum Executivo se elege com maioria para governar e se obtém um Congresso "pulverizado", ainda mais com a permissividade de criação de dezenas de Partidos.

Está criado, portanto, o caldo de cultura para a busca da "governabilidade", já que os executivos eleitos não têm maioria parlamentar e tem que negociar a aprovação de suas propostas e projetos. Como consequência, o que se viu nos governos tucanos (de orientação social democrata) e petistas (de orientação socialista ou marxista) que anteriormente dominaram a cena política nacional foi a prática do "toma lá dá cá" de variadas maneiras, com destaque para a oferta de "nacos do poder" (ministérios e cargos) e de recursos públicos (em especial as emendas parlamentares, mas não só elas).

Uma ruptura nisso foi a eleição de um "Dom Quixote" em 2018, que prometeu romper com esta tradição, ao montar um ministério à margem das negociações políticas e ofereceu um governo liberal na economia e conservador nos costumes, com ênfase no combate à corrupção que a realidade anterior acabou consagrando (embora não inventando).

Mudou, portanto, a polarização pré-existente e o Brasil se viu dividido pelo confronto entre a dita esquerda e a nova direita, cujo resultado presidencial oficial em 2022 foi de 51% a 49%, ou seja um País dividido praticamente em dois pólos, enquanto no Congresso a "representação governista" ficou, com boa vontade, em perto de 25%.

Ora, fica claro que o atual presidente mantém seu discurso radicalizado para "agradar sua base", mas, para governar, precisa do "reduzido centro" (seja de centro-esquerda ou centro-direita) e da expressiva bancada de oposição (que se elegeu com discurso liberal e conservador do ex-presidente).

Embora de forma resumida e até simplista, creio que possa ter colaborado para o entendimento da atual realidade de nossa "volátil e ainda não consolidada democracia". Na prática, o que estamos vendo é a aplicação do que se atribuía a Getúlio Vargas: "o poder é como o violino, se pega pela esquerda, mas se toca com a direita"... Não tem como não causar perplexidade e inconformidade, de um lado ou do outro!

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