Educação
Ameaças às escolas: os efeitos para a saúde mental e convivência
Profissionais da Psicologia e da Pedagogia relatam a importância do acolhimento e do cuidado diante do cenário atual
Foto: Pixabay - É importante refletir como essa situação pode afetar as crianças
Diante de episódios de violência e ameaças a escolas, uma sensação de insegurança permeia as atividades escolares. Entre outubro de 2002 e março de 2023, o Monitor do Debate Político no Meio Digital da Universidade de São Paulo (USP) registrou 22 ataques no País. Apenas neste ano, foram pelo menos quatro casos de maior gravidade.
Para compreender como esse momento afeta estudantes, pais, professores e a comunidade como um todo, o Diário Popular ouviu a doutora em psicologia analítica e professora do curso de Psicologia da UFPel, Camila Farias, e a supervisora pedagógica e vice-diretora da Escola Estadual de Ensino Médio Marechal Rondon, Simone Silveira, sobre os sentimentos e ações que envolvem a retomada da confiança e segurança dentro dos ambientes escolares.
SIMONE SILVEIRA
- Tragédias em escolas influenciam diretamente o trabalho de professores, diretores e profissionais da área da educação. Qual o impacto destas situações na aprendizagem dos alunos e nos métodos pedagógicos?
Enquanto equipe, precisamos estar bem atentos a alguma coisa diferente que possa acontecer na escola. Pedagogicamente, o que acontece é que alguns alunos não estão indo à escola porque os pais resolveram deixar em casa. Aí, nesse sentido, tem um certo atraso porque estamos bem no período de provas e avaliações. Eles estão faltando, muitos estão com medo e alguns que vão à aula se sentem ameaçados e preocupados com essa situação e de que possa acontecer algo parecido ao que houve em Blumenau. Isso vai afetar, com certeza, o desenvolvimento do trimestre. Temos esse olhar diferenciado para os alunos e compreendemos aqueles que não estão indo. Sabemos a justificativa e temos a compreensão de que vai ser preciso recuperar alguma sequela em relação à aprendizagem, mas a relação [pedagógica, entre alunos e professores] é de tranquilidade. Tentamos passar a maior tranquilidade possível do trabalho e do ambiente escolar.
- Como têm as conversas sobre esse assunto no ambiente escolar?
Conversa tem, até porque tem muitas fake news rolando nas mídias e eles têm acesso, então a gente está sempre tendo que lidar com isso. A nossa conversa é no sentido de amenizar, tranquilizar e mostrar o quanto a escola tem coisas boas e que o ambiente escolar é agradável para eles. Tentamos tornar o mais tranquilo possível, sempre explicando que não acreditem em tudo que veem por aí, trazendo relatos de que sabemos que não houve nada em Pelotas, no sentido de tranquilizar todo mundo.
- O que pode ser feito para restaurar a confiança das pessoas nos ambientes escolares?
É fazer falas de incentivo, de dizer que não está acontecendo nada ali, de que estamos atentos e iremos procurar suporte caso a gente perceba alguma coisa mais séria. Muitos pais ligaram para a escola para dar alguma justificativa de porque o filho não estava indo, e aí a gente conversa. A nossa orientadora também auxilia nessa fala com os pais, que é uma fala de tranquilizar, de dizer para que eles não repassem tudo que estão recebendo de notícias e áudios. É um trabalho de acolhimento e tranquilização. Mesmo sabendo desse medo, a gente tenta amenizar e acolher a família que está se sentindo ameaçada, até chamando eles para irem até a escola se estão com muitas aflições. A escola tem amor pra dar, tem cuidado com o aluno e com as famílias que necessitam. Estamos todos de mãos dadas: escolas, Prefeitura, Brigada Militar, todo esse pessoal que está se sentindo acolhido um pelo outro. Não é só acolher o estudante, mas também nos acolher para poder dar força para o nosso aluno.
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CAMILA FARIAS
- Quais os possíveis efeitos emocionais que as ameaças e ataques a escolas provocam em crianças, jovens, pais e na sociedade como um todo?
No curto prazo, imediato, a gente pode pensar que é o impacto do medo, da ansiedade e de uma comoção muito grande. Mas, o que é importante pensar é como vamos construir caminhos a partir dessa grande mobilização de sentimentos intensos, como a angústia e o temor pela vida dos nossos filhos, de pessoas queridas e, até mesmo, pelo convívio social. Esse é um ponto fundamental: entender como nós vamos direcionar toda essa energia de comoção com o passar do tempo. De imediato, temos mobilizações no sentido de restrição e de aumento de segurança, por exemplo, que não são ruins, mas que não dão conta das causas de todos esses eventos, já que podemos pensar que está em jogo toda uma dinâmica social. Olhar para além do fato que aconteceu e para a série de elementos complexos que podem estar na base disso é fundamental. Por exemplo: como estamos olhando para crianças e adolescentes que passaram dois anos de suas vidas, em períodos fundamentais do desenvolvimento, numa situação de risco pandêmico, perda de figuras significativas e transformação radical da rotina?
- Como devem ser conduzidas as conversas sobre estas situações?
Um ponto fundamental é o respeito pelos próprios limites. Elaborar essas situações e falar sobre isso é muito importante, mas não sob uma obrigatoriedade. Eu acho que cada pessoa tem que poder olhar, lidar e falar sobre isso na medida que se sentir confortável, inclusive com os filhos e crianças menores. É sobre respeitar os limites e as curiosidades que elas trouxerem com relação ao assunto. É muito importante trabalhar com os sentimentos que surgem nessas conversas, que têm que estar muito alicerçadas nos limites de cada um, porque senão se torna algo violento para quem está falando e para quem está ouvindo e aí, para combater uma violência, a gente acaba impondo outra. Poder trabalhar com seus sentimentos, medos e limites está intimamente ligado a evitação de violência.
- Do ponto de vista da psicologia, como se deve lidar com os efeitos desse medo das ameaças sobre o emocional da comunidade agora e a longo prazo?
O ponto fundamental é cuidar da nossa saúde mental. Se olharmos no nível mais básico e simples que pudermos pensar, é a possibilidade de cuidar dos nossos afetos, fantasias e reverberações de situações muito difíceis, como esses atentados ou a pandemia e o quanto isso provocou sentimentos e sofrimentos de diferentes ordens. Poder olhar para nossas fragilidades e cuidar disso é uma das formas mais eficazes de construir espaços de segurança. Quanto mais estivermos com nossos sentimentos acolhidos, conseguindo construir recursos internos para lidar com eles, menor é a chance de lançar mão de um recurso de ataque, seja a si mesmo ou ao outro. Se há algo que precisamos olhar com todo o cuidado e atenção nesse momento é a questão da saúde mental nas famílias, escolas e na comunidade em geral, especialmente quando a gente vive esse momento de retorno ao encontro social, que pode estar trazendo à tona uma série de questões que a pandemia já vinha colocando em cheque.
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