Agronegócio
Colostro bovino volta a ser liberado para consumo humano
Pesquisadora da Emater-Ascar RS em Pelotas é a responsável pela mudança na lei nacional para o uso do alimento, rico em proteínas, anticorpos, substâncias bioativas e bactérias probióticas
Divulgação -
Agora é oficial: a pesquisadora Mara Helena Saalfeld, veterinária e extensionista da Emater-Ascar RS em Pelotas, natural de São Lourenço do Sul, mudou a legislação brasileira, que passou a permitir o uso do colostro bovino para consumo humano.
Há exatos 65 anos depois da emissão do Regulamento da Inspeção Industrial e Sanitária de Produtos de Origem Animal (Riispoa) e após uma luta de mais de 20 anos, ela conseguiu que a Presidência da República emitisse o Decreto 9.013, do último dia 29 de março, que regulamenta a lei de 29 de março de 1952, eliminando o artigo que proibia o aproveitamento do produto para fins de alimentação humana. Com isso, devem ser beneficiados só no Estado cerca de 200 mil produtores de leite, sendo 14.319 da Zona Sul, que até então desperdiçavam o produto no lixo e agora poderão aumentar sua renda.
Não pense que foi fácil. O feito resultou de muita pesquisa, um doutorado orientado pelos professores Fábio Leivas Leite, Daniela Isabel Pereira e Márcia Arocha Gularte, e idas e vindas a Brasília em busca de apoio para a mudança, pois a extensionista estava convencida das benfeitorias do colostro no consumo humano. Trata-se do primeiro leite produzido pela vaca, após cinco a sete dias da cria, e é um alimento rico em proteínas, anticorpos, substâncias bioativas e bactérias probióticas. É utilizado no mundo inteiro na alimentação das pessoas, como matéria- prima para bebidas lácteas, doces e queijos. Apenas no Brasil foi proibido por 65 anos. Também é usado em medicamentos, inclusive como coadjuvante no tratamento de câncer e Aids.
Mara expôs o resultado de suas pesquisas ao longo do anos ao governo federal e à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), pediu apoio de políticos e acabou conseguindo por intermédio dos deputados Ronaldo Santini e Alceu Moreira. Os parlamentares marcaram as duas audiências públicas para debater o assunto em Brasília, que culminaram na decisão do governo em reformular a legislação, após a extensionista da Emater-Ascar RS convencer as autoridades sobre o que dizia. O presidente da Emater, Clair Kuhn, a acompanhou em ambas as reuniões.
A pesquisadora acredita que o uso foi proibido porque quando começou a pasteurização o colostro e o leite deveriam ser mandados juntos, e são produtos com concentrações diferentes. O colostro, quando aquecido, coagula, por isso a temperatura não pode ser a mesma, mas superior. O colostro tem cinco vezes mais proteínas que o leite.
“Foi uma luta solitária. Eu fazendo, eu acreditando”, desabafa Mara, que se emociona ao relatar sua caminhada e acrescentar que toda luta vale a pena quando se acredita em um sonho, em uma tecnologia, como foi o caso dela. “Mesmo que todo mundo dê contra, tu lutas, porque sabe dos benefícios”, completa. Como cristã e temente a Deus, acredita que o trabalho de silagem do colostro, quando começou as pesquisas, foi o instrumento para chegar à liberação do consumo do produto no Brasil.
O começo
A silagem de colostro é essencial para bovinos recém-nascidos como fonte nutricional e transferência de imunidade passiva. No trabalho desenvolvido em 1998, Mara concluiu que a produção acima da capacidade de ingestão do bezerro permite utilizar o excedente como sucedâneo lácteo. Uma das formas de utilização é através da fermentação anaeróbica, popularmente chamada de silagem de colostro.
De acordo com a pesquisadora, a técnica é simples, de fácil apropriação pelo produtor, pois não requer investimentos em insumos, instalações e maquinários. Proporciona economia de 200 litros de leite por bezerro criado, equivalendo ao lucro da venda de 1,2 mil litros do produto. É um processo sem custos adicionais, que utiliza apenas mão de obra e material reciclável (garrafa PET). O estudo lhe rendeu um prêmio nacional, a publicação de cinco artigos e o registro de patente da silagem do colostro.
Com a palavra, quem consome
O zelador Altair Moreira, 53, diz que sempre soube do que a pesquisadora defende porque quando era criança comia a ambrosia feita pela mãe, que utilizava colostro para fazer o doce. Nada na sua casa era desperdiçado, afinal a família não tinha condições financeiras para isso. O pai abandonou a mãe com nove filhos. Dois já são falecidos.
Até hoje esse assunto deixa Altair bastante comovido, pois diz lembrar das batalhas diárias da mãe para criar ele e os irmãos, sozinha. Natural de Bagé, veio pequeno para Pelotas e na casa do Fragata, onde a família residia, comia ambrosia todos os dias. “Tinha que ter essa criatividade para se ter o básico para a família sobreviver. As pessoas falam em ter nojo do colostro, mas temos que ter nojo é dessas comidas enlatadas de hoje. Colostro é alimento natural e supernutritivo”, assinala.
Mara fará demonstração de produtos feitos à base de colostro em três eventos da região: dia 12 deste mês, no 2º Concurso Regional de Qualidade do Mel, em Pinheiro Machado; dias 22 e 23 deste mês, na Mostra de Gado Leiteiro de Arroio do Padre, e dias 27 e 28 de maio na Expoagro, em São Lourenço do Sul.
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