História

No pós-abolição, controle segue

Oficialmente livres, mas criminalizados seja pela prática da capoeira e das religiões de matriz africana, seja por não apresentarem identificação de um eventual trabalho

Reta final do século 19. Abolição: 1888. Articulação entre militares e civis insatisfeitos com a monarquia e a proclamação da República: 1889. Na prática, a criminalização da comunidade negra segue. Samba, capoeira e as religiões de matriz africana, por exemplo, viram tipos penais, assim como hoje são o estupro e o homicídio.

E na hora de buscarem oportunidades de trabalho como no operariado do porto, que precisava de mão de obra, torna-se comum não receberem em dinheiro. São remunerados com alimento. Detalhe: era preciso, inclusive, circular com a identificação do seu 'labor'. Do contrário poderiam acabar detidos por vadiagem, que também vira crime - ressalta o presidente da Comissão de Igualdade Racial da Subseção da Ordem dos Advogados do Brasil em Pelotas (OAB), Fábio Gonçalves. Era mais uma situação em que a expectativa por liberdade efetiva, não se concretizava.

Ainda antes da abolição, outras legislações já não tinham se convertido em efeitos práticos. É o caso da Lei do Ventre Livre, de setembro de 1871, que estabelecia que dali em diante todas as mulheres escravizadas dariam à luz apenas bebês livres. Em setembro de 1885 foi a vez da Lei dos Sexagenários, que determinava que todos os escravizados seriam libertos após os 60 anos de idade. Na realidade, pouco mudou. A grande maioria deles sequer atingia esta faixa etária.

O papel social e imprescindível da imprensa

A causa abolicionista e a luta por integração na sociedade pelotense ganhou manchetes da imprensa negra, a partir de 1881. Uma das coberturas é emblemática do papel cumprido pelos intelectuais que batalhavam para colocar os semanários nas ruas. Não raro apresentavam denúncias de abuso e opressão. Foi o que ocorreu a partir de março daquele ano, pouco mais de dois meses depois da fundação de A voz do escravo.

O jornal passou a acompanhar os desdobramentos do assassinato do escravizado Jerônimo, de apenas 16 anos, açoitado por um capataz até a morte, em um período em que fatos desta gravidade já não ocorriam em Pelotas. Uma coluna intitulada Questão Jerônimo e a publicação, inclusive, de matérias extraídas de outras redações para expor as novidades do caso geraram apelo popular e viraram ferramenta de pressão. O corpo do rapaz foi exumado e uma nova análise dos médicos legistas atestou: o óbito fora causado por martírio.

O resultado se transformou em mais um incentivo para negros e negras correrem atrás de alfabetização, que os permitisse ler os periódicos que serviam de porta-vozes das demandas da comunidade - reforça Fábio Gonçalves.

Conheça alguns desses jornais

- A voz do escravo: Começa a circular em 16 de janeiro de 1881, a partir da tipografia do Jornal do Comércio. Entre os nomes que estiveram à frente da publicação, destaque ao redator João José Cezar, ao cronista político Manoel Conceição da Silva e o escritor Bernardo Taveira Júnior.

- A Penna: Surge em 1884. Devido a perseguições, o grupo que liderava A voz do escravo cria o novo periódico. Outros colaboradores como Cônego Canabarro, Francisco de Paula Pires, Ferreira da Silva e Licurgo de Menezes juntam-se, mais uma vez, à equipe.

- A Alvorada: O semanário passa a ser publicado em 5 de maio de 1907 e circula até 1965, com duas interrupções antes de encerrar totalmente as atividades. Entre os fundadores, os intelectuais Antonio Baobab, Rodolpho Xavier e os irmãos Juvenal e Durval Marena Penny.

Confira o material disponibilizado na edição impressa do Diário Popular
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