Sérgio Cruz Lima

"Romântico? Não sei o que isso quer dizer"


De um modo geral, toda música nova é sempre recebida pelo público com um pé atrás. E é isso, exatamente, o que ocorre com a música do francês Louis Hector Berlioz no primeiro quartel do século 19. “Romântico? Não sei o que isso quer dizer. Sou um clássico”, afirma Berlioz. E adita: “Por clássico entendo uma arte jovem, vigorosa, sincera, apaixonada e amante das belas formas, inteiramente livre”. Mas, apesar de negar o romantismo, Berlioz, ao lado de Victor Hugo e Eugéne Delacroix, encarna o protótipo do artista romântico. E é Théophile Gautier quem ajusta o compositor, o romancista e o pintor, no que denomina “santa trindade da arte romântica”.

Existe coisa mais romântica do que enamorar-se de uma mulher, declarar-se a ela, não ser correspondido, ingerir veneno, vomitar por duas horas e acabar compondo uma sinfonia para a ingrata? Tudo isso sucede entre os anos de 1827 e 1830, em Paris, quando o músico se apaixona pela atriz Harriet Smithson. Propõe-lhe casamento. Recebe um não. Não se dá por vencido. Transforma sua dor em inspiração e estreia em 1830, na presença da amada, uma sinfonia. Nela, mistura de sonho, realidade, arte e neurose, nasce a Sinfonia Fantástica, uma das mais originais obras-primas do repertório sinfônico do século 19.

Quando começa a compô-la, em pleno frenesi amoroso, Berlioz tem lucidez para entender que sua sinfonia trata de algo inédito. E escreve: “Preparo uma composição musical de um gênero novo, por meio do qual vou impressionar minha plateia”. E Berlioz coloca na obra todo o delírio de sua paixão por Harriet. Na noite da estreia - 5 de dezembro de 1830 - no Conservatório de Paris, na presença da amada, razão de ser da sinfonia, distribui um texto para a plateia. Nele escreve: “Um jovem músico de sensibilidade doentia e imaginação ardente envenenou-se com ópio em um acesso de desespero amoroso. A dose do narcótico, fraca demais para levá-lo à morte, mergulha-o em um pesado sono, acolitado de estranhas visões. Enquanto dorme, sensações, sentimentos e lembranças se traduzem, em seu cérebro doentio, em pensamentos e imagens musicais. Então, a mulher amada torna-se para ele uma melodia, em uma idée fixe, que ele reencontra e ouve em todo lugar”.

Na tranquilidade da madrugada, Lu dormitando em meu colo, ouço, mais uma vez, após tantas outras, a execução da Sinfonia Fantástica, símbolo do nascimento do romantismo em França e que considero uma das mais belas páginas da música clássica do século 19. Berlioz morreu em 1869, aos 66 anos de idade.

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