Eduardo Ritter

A ficção é pop

Quanto mais eu vivo no Brasil, mais eu percebo como os brasileiros são ficcionistas em potencial. Eu poderia usar aqui um milhão de casos retirados da web, em especial aqueles relacionados com política, mas vou usar um exemplo de uma experiência que tive nesta semana e que ilustra como cada sujeito gosta de criar a sua própria versão para os acontecimentos.

Na terça-feira, eu estava me dirigindo do Laranjal rumo ao centro pela Avenida Ferreira Viana quando, entre o Shopping e o Fórum, vi uma bicicleta atirada na frente de um matagal e algumas viaturas da Brigada Militar e uma da Polícia Civil. Vários populares assistiam a algo do outro lado da rua, que até então eu não sabia o que era. Segui viagem e fui à uma barbearia. Sentei na cadeira e fiquei eu mesmo criando a minha própria ficção: o que teria acontecido? Será que encontraram algum corpo no matagal? Ou será que alguém que estava sendo julgado pulou a janela do Fórum e fugiu matagal adentro? Não demorou muito para chegar um dos barbeiros da rua, contando:

- Assaltaram uma agência bancária na Ferreira Viana.
- Como assim? - perguntou o barbeiro, que trabalhava nos meus pelos faciais.
- Assaltaram. Trocaram tiro com a polícia e fugiram pelo matagal.
- Eu vi uma bicicleta na frente do matagal - me meti.
- Será? Mas os caras não iriam roubar um banco de pedal! - descartou o que mexia na minha barba, questionando a minha visão, e não a versão do amigo.

Deixei a barbearia mais tarde, com um assalto a banco em mente. Então, fui à padaria, ali perto do Fórum, e a atendente disse que tinham tentado matar o delegado.
- Estavam esperando ele. Foi encomendado. Mas aí ele reagiu e atirou nos caras. Tem até um vídeo na internet já circulando dos seis caras fugindo no mato.

Um cliente se intrometeu:
- Que eu saiba um policial estava passando de caminhonete e tentaram assaltar ele e ele reagiu. Ele trocou tiro com os bandidos, que fugiram pelo matagal.

Fui para casa com três versões do mesmo fato, desconfiando que nenhum fosse A VERDADE. Esperei um tempo e, mais tarde da noite, entrei no site do Diário Popular e descobri o que aconteceu. O fato estava resumido no início da notícia: "Um assalto a uma mulher, na avenida Ferreira Vianna, nas proximidades do Shopping Pelotas, na tarde desta terça-feira (21), terminou com um criminoso atingido com um tiro, após tentar fugir por um matagal, carregando a mochila da vítima". O delegado, que passava pelo local, intercedeu e atirou na perda do assaltante. Essa era a verdade.

Confesso que as versões dos meus interlocutores foram mais emocionantes. E eu mandei o link da notícia para os meus irmãos, dizendo que o fato aconteceu perto de onde moro, e no outro dia minha mãe veio me perguntar: "mataram um perto da tua casa?". Pô, mãe, aí fica difícil. Parece aquela brincadeira infantil de telefone sem fio, que cada um aumenta um pouco. Imagina se todo esse povo resolve escrever ficção? Luis Fernando Verissimo e cia que se cuidem!

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