Sergio Cruz Lima

A questão dos refugiados

O Estado como instituição, seja na forma de Estado nacional, seja naquela de Estado economicamente internacionalizado, acabou se afirmando e se estendeu pelos cantos do planeta terráqueo durante os tempos modernos. Hoje se pode dizer que praticamente todos os humanos estão organizados em Estados. Agora, com todos estatizados, é possível verificar que a atual organização estatal ainda não é a melhor forma para a tessitura política da humanidade. Um olhar amplo, capaz de se estender sobre os continentes e sobre os povos que neles habitam, por certo testificará alguns limites da organização estatal dos humanos nos dias atuais.

Uma primeira evidência que esse olhar amplo coletará é que a humanidade é ímpar em relação às atuais organizações estatais, isto é, os Estados atuais a fracionam de forma imperfeita. Ora, assim dividida sobram restos. Restos humanos: refugiados. Dados da ONU, de 1999, declararam existir no mundo mais de 22 milhões de seres humanos sem país, sem Estado, sem Pátria. E esse número deve ser muito maior. Uma multidão de refugiados é excluída, porque deixa de ser contabilizada em estatísticas. Cabe lembrar que tais dados são anteriores às guerras do Afeganistão e do Iraque, além de calamidades naturais e políticas do último e trágico decênio. Face aos bilhões de humanos existentes, a grandeza de tais números perversos pode restar empalidecida, mas se o olhar for capaz de estabelecer parâmetros relativos, ver-se-á que tais algarismos correspondem à soma das populações da Suécia, Áustria e Dinamarca, com a sobra de refugiados. Não se pode olvidar que milhões de palestinos ainda não adquiriram o direito a ter seu Estado nacional e não constam dessas cifras. Em 2010 existiam mais de 43 milhões de pessoas deslocadas no globo terráqueo. Dez anos após, o número de refugiados dobrou, mas houve uma mudança significativa: 80% dos refugiados do mundo foram acolhidos por países em desenvolvimento, no momento em que se agiganta o sentimento anti-refugiado em muitos países industrializados.

A segunda evidência desse olhar é a constatação de que os Estados modernos nem sempre foram capazes de representar seus povos por inteiro. Isto é: há outros povos sem Estados, refugiados, portanto, malgré leurs, dentro dos próprios Estados que os albergam, mas pelos quais não são representados. Há dezenas de exemplos. Refiro-me aos bascos na Espanha, chiapas no México, curdos no Iraque, tibetanos na China, etc. As fronteiras atuais da África, demarcadas quase todas a partir de interesses econômicos de grandes empresas das potências coloniais, dividiram nações agrupando arbitrariamente pedaços de nações, como os hutus e os tutsis, no Burundi e Ruanda. Na África e na América Latina, cabe lembrar, foram construídos territórios econômicos e não uma organização política dos povos africanos e latino americanos. Essa inadequação entre Estados e populações não é um fato natural. É histórica, portanto provisória. Nas tribos e na organização política étnica, por exemplo, inexistia esse desencontro entre populações e suas organizações sociais e políticas como existe na era da hegemonia dos Estados, a era moderna, na qual impera o interesse econômico dos grupos sociais dominantes.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

A ficção é pop

Próximo

Nova lei de licitações e desafios da Administração Pública

Deixe seu comentário