João Neutzling Jr.
Casa grande e senzala, 90 anos de um clássico da sociologia brasileira
João Neutzling Jr.
Economista, bacharel em Direito, mestre em Educação, auditor estadual, pesquisador e professor
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Há 90 anos vinha a lume a obra Casa grande e senzala, um dos mais importantes trabalhos acadêmicos que consolidou a sociologia brasileira como referência mundial pela análise da estrutura e da formação das classes sociais. Seu autor? Gilberto Freire (1900-1987), um dos maiores baluartes do pensamento brasileiro e condecorado com o Prêmio Aspen, honraria que consagra pesquisadores notáveis por contribuições excepcionalmente valiosas para a cultura humana. Recebeu centenas de prêmios e distinções literárias, sendo um dos pouquíssimos brasileiros premiados com o título de Knight of the British Empire (Cavaleiro do Império Britânico) ao lado de Pelé.
Freire circulava entre a nata da intelectualidade brasileira ao lado de Oliveira Vianna, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Jr., Raymundo Faoro, Florestan Fernandes, Manuel Bandeira, entre outros. E sempre foi considerado entre os dez mais importantes pesquisadores e intelectuais do País no século 20.
Na obra citada, Freire aponta como os donos da propriedade rural, estancieiros que moravam na "casa grande", controlavam a mão de obra dos trabalhadores rurais escravos que moravam na "senzala".
O Brasil viveu sob regime de escravidão por 74% de sua história. Em 350 anos entraram no Brasil cerca de quatro milhões de africanos para serem escravizados. Um dos episódios mais tristes, vergonhosos e criminosos da nossa história. E o reflexo da escravatura na sociedade brasileira pode ser visto no desprezo pelo fator mão de obra e no racismo. A população negra escravizada foi sequestrada na África e trazida para trabalhar em um brutal regime de exploração (séculos 16 e 17). A pobreza e violência que afetam os negros são um reflexo direto de um País que normalizou o preconceito e deixou a população negra à margem da sociedade (o famoso marginal).
Quando terminou a escravidão em 1888, durante o Império, o mínimo que se esperava seria o pagamento de algum tipo de indenização ao negro recém liberto, mas isso não ocorreu. A imprensa simplesmente divulgou: "Terminou a escravidão!". E daí? Nenhuma indenização por demissão sem justa causa ao ex-escravo? Nenhum auxílio social?
Este episódio serviu como cenário para que a classe empresarial perpetuasse o padrão de reprodução do capital com base na exploração da classe trabalhadora pagando o mínimo possível. Foram 42 anos desde o fim da escravidão até a criação do salário-mínimo com o bravo Getúlio. Sobre este ponto, Karl Marx afirmava que "o escravo estava preso por grilhões a seu proprietário; o assalariado por fios invisíveis". Além disso, enquanto pipocavam doutrinas racistas na Europa na virada do século 19, Freire defende que a mistura de raças não causa nenhuma "degeneração". Ao inverso, o resultado é positivo, como prova a sociedade brasileira multirracial.
Na estrutura agrária, Freire comprovou que os colonizadores portugueses no século 16 implantaram aqui um modelo baseado no latifúndio, ao passo que os puritanos ingleses que fundaram as 13 colônias nos Estados unidos usaram um modelo rural de pequena propriedade.
Sua obra permanece atual por relatar a formação do Brasil e seus reflexos na causa de problemas sociais e econômicos pela necessidade de se consolidar a tão desejada democracia racial.
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