Paulo Rosa
Dois amigos prudentíssimos
Por Paulo Rosa
De Piratini, terceiro distrito
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Prudência e caldo de galinha a ninguém faz mal, diz-se em idiomas variados. Esta verdade cabal orientou-nos desde sempre e não nos arrependemos até o momento. Nestes primeiros invernos outonais do ano, estamos a providenciar modestas porções do pacífico animal e, de forma prudente _ pouco sal, jamais o uso de ultraprocessados, etc. _, temos preparado a reparadora infusão. Fizemos mais, consultamos, em pormenor, o maior tratado ocidental sobre o comedimento humano, A arte da prudência, do sábio jesuíta espanhol Baltasar Gracián, 1601-1658, para que, munidos de tais instigantes saberes, pudéssemos trazer a público alguns cuidados que investimos na manutenção de nossa prezada amizade e que, acreditamos, possa ser de utilidade à população que dá valor ao sentimento amistoso.
Ao ponto: meu amigo Rogério avisou-me que estaria em Pelotas e me convocava para um café no Aquário. Imediatamente atendi ao chamado e ajustei horários para ser pontual, coisa do nosso agrado. Dia, hora e local aprazados, ali estávamos. Recordamos com gosto nossos tempos de Gatos Pelados, no antigo prédio do Colégio Pelotense, em frente ao Correio, onde vivemos passagens inesquecíveis com professores destacados. Um dos recordados e que nos fazia, e faz muito riso e brincadeiras era o de inglês, Mr. Coelho, como o reverenciávamos. Ele nos chamava, olhando por cima dos óculos, de 'cabras', 'pestes', se conversássemos em aula ou colássemos nas suas intermináveis provas. Ou nosso caro Prof. Marcant, que não perdia um minuto de aula, iniciando a chamada antes mesmo de entrar totalmente na sala. A seguir um de nós era instado a 'passar à pedra' e escrever o que o professor ditava, e corrigia nossos erros, para que todos os demais copiassem em caderno próprio o conteúdo, que seria exigido nas provas mensais. Assim, aprendemos sobre próteses, epênteses e paragoges, entre outras mixórdias gramaticais, e fomos, ainda não sabemos como, ganhando gosto pelo vernáculo e a gramática. Pode alguém imaginar que o ensino nos era pautado pelo inacreditável ditado cartesiano, escrito numa das paredes do pátio interno: 'respeita, estuda e vencerás'? Hoje rimos, pois agora nos descobrimos, no literal, sobreviventes.
Foco máximo: rimos sem parar quando percebemos que nosso último encontro tinha ocorrido há, nada mais, nada menos, que 70 (setenta) anos! Desde os dez anos, quando brincávamos em casa ou nas ruas, não mais nos tínhamos visto, a não ser uma só vez, por uns minutos, online, para um bate-papo sobre literatura. Hoje partilhamos a ideia e queremos divulgá-la, em primeira mão, que esse intervalo de sete décadas é não mais que um cuidado para com nossa amizade, com o desejo de que ela se mantenha incólume, sem nenhum arranhão ou qualquer nódoa. Acordamos em examinar a hipótese de, quiçá, reduzir em algo o intervalo do próximo encontro.
Vai para Rogério Gastal Xavier, poeta, médico e prudentíssimo amigo.
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