Editorial

Origens e quase esquecidos

Recentemente repercutida de forma mais ampla e, em consequência disso, ficando um pouco mais familiar à grande parte dos brasileiros que pouco contato têm com o tema, a realidade enfrentada pelos povos originários é um grave problema com o qual o País, historicamente, não tem sabido lidar. Seja por falta de competência ou desatenção deliberada de governos e órgãos públicos, seja por falta de conhecimento - e reconhecimento - por parte da própria sociedade, o fato é que os indígenas que tentam manter suas tradições e territórios são sufocados pelo abandono das políticas públicas, pela fome, pelos ataques de quem se acha no direito de explorar suas terras e riquezas naturais ali presentes.

Embora o contexto enfrentado pelos povos indígenas no Rio Grande do Sul, e especificamente na Zona Sul, nem de longe se compare à violência que resulta em verdadeiro genocídio de comunidades inteiras na região Norte do Brasil, por aqui estamos bem distantes de algo que se possa classificar como justo ou motivo de orgulho. Como retrata matéria do jornalista Lucas Kurz e do repórter fotográfico Jô Folha nesta edição, às páginas 8 e 9, o cenário enfrentado pela aldeia Kaingang Gyró, na colônia Santa Eulália, em Pelotas, é precário. Instalados em uma pequena área cedida pelo Município, os indígenas vivem com estrutura que certamente seria considerada vergonhosa se oferecida a cidadãos não-indígenas, seja em uma zona urbana ou rural. Não têm espaço suficiente para produzir o próprio alimento, estudam em uma escola cujas paredes têm tantas frestas quanto tábuas e a sala de aula é dividida com uma cozinha e contam com atendimento de saúde em que falta médicos e enfermeiros aparecem uma vez a cada 15 dias para prestar assistência, por exemplo.

Há quem minimize tal condição com o não raro argumento de que, por serem um povo teoricamente habituado a enfrentar cenários adversos, a estrutura de aldeias como a pelotense não seria tão ruim. No entanto, tal pensamento só corrobora a necessidade de uma urgente compreensão sobre os direitos daqueles que estão na verdadeira origem do País, do Estado, do Município. Consciência essa que, é preciso reconhecer, vem evoluindo. Mas a passos muito lentos, incapazes de assegurar o mínimo de dignidade a milhares de cidadãos tão brasileiros quanto quaisquer outros.

Culturas, hábitos e linguagens diferentes não podem ser consideradas barreiras a tornar a presença do poder público - local, estadual e nacional - algo esporádico. Os Kaingang Gyró e os demais povos originários, tal qual todos os cidadãos no Brasil, têm o direito constitucional a seu território, a moradia, a alimentação, a saúde, a educação. A serem, de fato, cidadãos.

Carregando matéria

Conteúdo exclusivo!

Somente assinantes podem visualizar este conteúdo

clique aqui para verificar os planos disponíveis

Já sou assinante

clique aqui para efetuar o login

Anterior

Jean Genet, o "Santo"

Próximo

As possibilidades da Bacia de Pelotas

Deixe seu comentário