Paulo Rosa
Patologias da amizade
Paulo Rosa
Sociedade Científica Sigmund Freud, Associação Psicanalítica Argentina
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Se se consultam bancos de dados através da expressão 'patologias da amizade', nada se encontra. É algo curioso. Se somos vulneráveis ao adoecimento por variadas causas, se há registro de amores patológicos - a folie-à-deux, loucura-a-dois, é bom exemplo -, se há gente que mata 'por amor', ao se frustrar, se se fica possuído pelo ódio, descarregando, no mais das vezes, no ente amado, como poderia ser que a amizade venha a se constituir no único afeto não passível de adoecer?
Consultando amigos, de variadas áreas de atividade, a expressão patologias da amizade lhes soa verossímil, parece até despertar-lhes interesse, mas corroboram desconhecer qualquer estudo a respeito.
Uma tirada de Mario Quintana dá o que pensar: 'a amizade é o único amor que não termina'. Se o velho gaúcho faz tal bela e grave afirmativa, seguindo seu trote, chegaríamos a imaginar que se 'não termina' é porque seria a amizade isenta de desvios e desassossegos humanos. Coisa difícil de acreditar. Nossa santa fragilidade de cada dia é inexorável. O dizer do poeta, de qualquer forma, faz pensar nas diferentes formas de amor: na amizade em relação ao amor romântico ou ao sexual, estando estes plasmados por juras de amor eterno, por exclusividades, inexistentes no sereno amor da amizade.
Outra questão me interessou: o conflito de Caim e Abel. Pensando, se eram irmãos - mesmo ciente de que isso não garanta, necessariamente, amizade entre eles - supus que a passagem bíblica parta da fraternidade, como forma presumível de uma inicial afeição fraterna, mas que chega ao assassinato ao percorrerem os irmãos, os caminhos retorcidos do viver. A notícia corrente é de que Abel, o irmão mais novo, teria sido mais elogiado pelo Senhor, situação intolerável para o primogênito Caim, daí ter reagido com violência inusitada.
De qualquer forma, a ninguém passa despercebido o impacto que é para a irmandade a chegada de novo irmão, e os analistas frisam aos pais o reconhecimento e aceitação dos sinais de ciúmes da prole, como coisa natural. A chegada de mais um irmão nunca passa inadvertida. Caso não surjam sinais de abalo é luz de alerta para os pais: o que estará impedindo o filho de expressar a humana reação? Não se sentirá suficientemente seguro na família, para expressar o que lhe vai no coração? Um espaçamento maior entre os filhos poderá ser um atenuante para reações de maior violência, pois encontrará irmãos com recursos emocionais mais maduros. Nas análises de crianças, nessa circunstância, observam-se indagações da prole ante a chegada do irmão, do tipo, 'por que mais um, não lhes basto como filho?' Cabe a pais e mães abrirmos tal espaço para novos diálogos, aprendendo a escutar, condição sine qua non.
A hipótese é de que a amizade, embora vínculo com boa capacidade de sobrevivência, estará sujeito às fragilidades e desamparos, tão demasiadamente humanos.
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