Editorial
Rápido, raso e contraditório
O esforço feito pelo governo federal para agradar grandes indústrias do setor automotivo ao criar um programa de subsídio e incentivo ao barateamento de carros mal começou e já está próximo do fim. Pelo menos é o que indicam os números atualizados dos recursos aplicados (através de autorização de créditos tributários) para que as montadoras tenham a possibilidade de reduzir os preços dos veículos. Conforme o levantamento divulgado ontem pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC), a soma chegou aos R$ 320 milhões. Como o teto estipulado é de R$ 500 milhões para os carros de passeio - há ainda valores indicados para ônibus e caminhões -, a expectativa é que nos próximos dias esse limite seja alcançado, com os descontos provavelmente sendo encerrados.
Embora essa rápida busca pelos carros possa indicar existência de uma demanda por novos veículos e, na esteira disso, haja movimentação econômica, não é difícil perceber que o programa está longe de ser algum tipo de solução para a indústria nacional. Muito menos para a geração de emprego e renda. Afinal, levando em conta apenas uma ação tão rápida e pontual quanto esta, que empresa se sentiria estimulada a reforçar seu quadro de funcionários?
Os pontos questionáveis dessa ação, no entanto, vão além. Primeiramente porque, na prática, não torna nenhum dos produtos um carro "popular". Seja pelos valores (o programa é destinado a veículos com valores de até R$ 120 mil; o mais barato está sendo vendido a R$ 58 mil), seja pela impossibilidade de existirem carros tão baratos quando os populares de outros tempos, em que vários itens de segurança eram simplesmente ignorados para que o preço ficasse mais baixo. Hoje a legislação não permite que tais equipamentos sejam excluídos.
Outro aspecto que merece observação é o estímulo governamental a mais carros nas ruas - poluentes, movidos a combustíveis fósseis - ao mesmo tempo em que o País busca retomar espaço no cenário global como um líder em sustentabilidade e combate aos danos ambientais. Reeditando políticas nacionais antigas, iniciadas ainda em meados do século passado com o rodoviarismo e suas fábricas de carros e caminhões, o governo Lula novamente aposta em incentivos fiscais a este modal. Só que, desta vez, de uma forma ainda mais rasa e de pouco impacto. Ao menos do ponto de vista econômico e de desenvolvimento.
Não é de se espantar, no entanto, se o rápido consumo dos carros com descontos resultar em uma extensão do programa, com o governo abrindo mão de mais receita e incentivando mais vendas de veículos movidos a combustíveis fósseis. Um problema para as contas públicas, para a infraestrutura das cidades e para o meio ambiente.
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