Rubens Amador

Recordando episódios que a Segunda Guerra gerou - 2

Rubens Amador
Jornalista

Como já disse, polícia não havia, nem bombeiros. Simplesmente as autoridades federais e estaduais se omitiam. E a violência, sem encontrar obstáculos, tudo destruía. Bastava ser alemão ou italiano.

No Restaurante Willy, o melhor que tínhamos na época, então na Sete de Setembro, junto ao Aquários, onde hoje tem um cartório, assisti um grupo de amigos dos Dockendorf, frente às suas filhas então crianças, sua esposa e o próprio Willy, em lágrimas todos, impedirem que se cometesse ali a mesma estupidez. Aquele alemão era cheio de brasilidade. Seria uma injustiça qualquer violência contra ele, como tantas outras que se cometeram naqueles dias, marcando para sempre um grupo de pessoas, seres humanos que apenas circunstancialmente tinham nascido em terras distantes, conturbadas pela guerra que os nazistas tornaram odiosa aos olhos de todos os homens de bem. Mas a nacionalidade da pessoa, apenas, não queria dizer que ela era nazista! O Restaurante Willy não foi tocado.

No Armazém Krüger, na rua Quinze esquina Don Pedro II, eu vi, também comovido, outro grupo de brasileiros conhecidos salvar o seu armazém da fogueira naquela moderna inquisição. Também sua esposa e filhinhas eram todas brasileiras. Este fato, mais a nossa bandeira nacional, que o Sr. Krüger possuía, e seus amigos valentemente defendendo-os com palavras candentes, todos cantaram o Hino Nacional, inclusive o Sr. Krüger, e assim acalmaram a turba ameaçadora, salvando aos seus bens e seu lar, que ficava junto ao estabelecimento comercial.

Vi na rua Félix da Cunha a destruição total do consultório odontológico do cirurgião dentista alemão Dr. Torchtrop. Não restou nada, tudo foi queimado.

Nos grandes armazéns dos Ritter, ali defronte à "praça dos enforcados", houve enorme destruição nas chamas de sempre. Mormente a residência da família Vogt, que ficava ao lado. Presenciei a queima de móveis finíssimos, cristais, tapetes, vitrola, piano, enfim, não ficou pedra sobre pedra.

Mas, aqui, um elemento comprovadamente negativo que comprometeu a colônia naqueles dias tumultuados. O antigo porteiro da Santa Casa de Misericórdia, um alemão chamado Paulo, muito conhecido na época, possuía um equipamento de radiocomunicação nos fundos do hospital, através do qual se comunicava com agentes nazistas. Não sei se aqui mesmo no País ou no estrangeiro. Paulo sumiu para sempre.

Foram muitos os incêndios e destruição cometidos naqueles dois dias de agosto, respectivamente 18 e 19, como já disse. Jovem, curioso, testemunhando a história sem o saber, eu e outros moços, meus amigos, íamos aonde sabíamos que aconteciam aqueles fatos tristes que nos assustavam e comoviam. Coisa de jovem curioso.

Assisti a uma cena engraçada no meio daquela tragédia toda. Um tipo muito popular, das ruas, conhecido como Cocada, entrou numa alfaiataria que estava sendo queimada na Sete de Setembro, de um italiano, que todos diziam ser nazista. Pois Cocada entrou na alfaiataria que estava sendo incendiada e de lá saiu com uma fatiota nova em folha em direção à rua Quinze. Mas o pessoal viu os alinhavos no casaco e deixaram-no de cuecas.

Hitler desencadeou com sua evidente loucura aqueles acontecimentos todos. O mundo muito sofreu como decorrência do grande conflito, enquanto ele destruía a Alemanha. Faltavam muitas coisas. Os preços subiam pela falta de produtos. E acabamos perdendo mais de 400 patrícios nossos nos campos da velha Itália, lutando contra o nazismo. Ocasião em que escrevemos uma das mais belas páginas gloriosas de nossa história. No próximo capítulo, encerraremos estes relatos narrando ainda alguns dramáticos incidentes que assistimos, encerrando com um acontecimento muito triste como decorrência daqueles momentos de ensandecimento coletivo.

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